Em artigo publicado na revista Blood, pesquisadores
do Hemocentro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstraram que a
hidroxiureia - droga usada no tratamento crônico da anemia falciforme ¿ pode
também ajudar a aliviar sintomas da fase aguda da doença, atualmente sem opção
terapêutica. O trabalho realizado durante o doutorado da estudante Camila
Bononi Almeida mereceu destaque no editorial da revista, considerada a mais
importante na área da hematologia.
"O paciente que chega
hoje ao hospital com uma crise de dor típica da fase aguda recebe apenas
analgésicos e hidratação. A ideia de usar a hidroxiureia - já aprovada para
tratar de forma crônica esses pacientes - também na etapa aguda é muito
atraente para os clínicos. Até agora, isso não havia sido cogitado",
comentou Nicola Amanda Conran Zorzetto, orientadora da pesquisa.
A anemia falciforme,
explicou a pesquisadora, é uma doença hereditária caracterizada por uma
alteração genética na hemoglobina, proteína que dá a coloração avermelhada ao
sangue e ajuda no transporte do oxigênio pelo sistema circulatório.
Essa alteração faz com que as hemácias - glóbulos vermelhos do sangue - assumam
a forma de foice ou meia lua depois que o oxigênio é liberado. As células
deformadas se tornam rígidas e propensas a se polimerizar, ou seja, a formar
grupos que aderem ao endotélio e dificultam a circulação do sangue.
"Esse processo é
conhecido como vaso-oclusão e hoje já se sabe que está relacionado a um estado
inflamatório resultante da doença. Glóbulos brancos e plaquetas também ficam
aderidos ao endotélio, obstruindo pequenos vasos", disse Conran.
Além das intensas crises
de dor, que muitas vezes requerem a internação do paciente, a vaso-oclusão pode
causar infartos em qualquer parte do corpo e lesionar diversos órgãos.
"Problemas como úlceras, osteonecrose, hipertensão pulmonar e acidente
vascular cerebral são comuns", disse a pesquisadora.
O grupo do Hemocentro da
Unicamp, ao qual também pertence o reitor da universidade, Fernando Ferreira
Costa, já havia demonstrado em pesquisas anteriores o benefício da
hidroxiureia no tratamento crônico da anemia falciforme. "A droga aumenta
a produção de outro tipo de hemoglobina, conhecida como hemoglobina fetal. Ela
tem esse nome porque, normalmente, é produzida no período de vida
uterina", contou Conran.
A hemoglobina fetal é
capaz de diminuir a polimerização da hemoglobina geneticamente alterada,
reduzindo o risco de vaso-oclusão. "Mas como esse aumento na hemoglobina
fetal leva meses para ter
efeito, ninguém havia considerado usar a droga nas crises agudas", disse.
Durante seu doutorado, porém, Almeida constatou que, como sugeriam dados da
literatura científica, a hidroxiureia tem outros efeitos interessantes.
"Ela ativa uma via de sinalização celular dependente de óxido nítrico que
facilita a vasodilatação, dificulta a interação entre os glóbulos brancos e
vermelhos e, consequentemente, sua adesão ao endotélio", explicou.
Nos experimentos feitos
com camundongos portadores de anemia falciforme, os cientistas observaram que o
medicamento não apenas diminuiu a adesão das células à parede dos vasos como
também reverteu o quadro inflamatório. "Testamos a hidroxiureia
isoladamente e também associada a uma substância chamada BAY73-6691, que também
modula a via de sinalização por óxido nítrico. Uma droga potencializa o efeito
da outra", disse Almeida.
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